Comunicação - Luís Fernando Veríssimo
Comunicação
(Luís Fernando Veríssimo)
É
importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você
quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um… um… como é mesmo o nome?
“Posso
ajudá-lo, cavalheiro? ”
“Pode.
Eu quero um daqueles, daqueles…”
“Pois
não? ”
“Um…
como é mesmo o nome? ”
“Sim?
”
“Pomba!
Um… um… que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa
simples, conhecidíssima. ”
“Sim
senhor. ”
“O
senhor vai dar risada quando souber. ”
“Sim
senhor. ”
“Olha,
é pontuda, certo? ”
“O
quê, cavalheiro? ”
“Isso
que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem assim, assim, faz uma
volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta tem uma espécie de encaixe,
entende? Na ponta tem outra volta, só que esta é mais fechada. E tem um, um… uma
espécie de, como é que se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta; a
pontuda, de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. E isso. Uma coisa
pontuda que fecha. Entende? ”
“Infelizmente,
cavalheiro…”
“Ora,
você sabe do que eu estou falando. ”
“Estou
me esforçando, mas…”
“Escuta.
Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta, certo? ”
“Se
o senhor diz, cavalheiro. ”
“Como,
se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo numa ponta. Posso não
saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas sei exatamente o que eu quero.”
“Sim
senhor. Pontudo numa ponta. ”
“Isso.
Eu sabia que você compreenderia. Tem? ”
“Bom,
eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-la outra vez. Quem
sabe o senhor desenha para nós? ”
“Não.
Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da chaminé. Sou uma negação
em desenho. ”
“Sinto
muito. ”
“Não
precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem de vida. Não sou
um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje, por acaso, me esqueci do
nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem. O desenho não me faz falta. Lido com
números. Tenho algum problema com os números — mais complicados, claro. O oito,
por exemplo. Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental,
como você está pensando. ”
“Eu
não estou pensando nada, cavalheiro. ”
“Chame
o gerente. ”
“Não
será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa
coisa que o senhor quer, é feita do quê? ”
“É
de, sei lá. De metal. ”
“Muito
bem. De metal. Ela se move? ”
“Bem…
É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra
aqui e encaixa na ponta, assim. ”
“Tem
mais de uma peça? Já vem montado? ”
“É
inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço. ”
“Francamente…”
“Mas
é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo,
vem vindo, outra volta e dique, encaixa. ”
“Ah
— tem dique. É elétrico. ”
“Não!
Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar. ”
“Já
sei! ”
“Ótimo!
”
“O
senhor quer uma antena externa de televisão. ”
“Não!
Escuta aqui. Vamos tentar de novo…”
“Tentemos
por outro lado. Para o que serve? ”
“Serve
assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia ponta
pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma
coisa.”
“Certo.
Esse instrumento que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco
alfinete de segurança e…”
“Mas
é isso! É isso! Um alfinete de segurança! ”
“Mas
do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro! ”
“É
que eu sou meio expansivo. Me vê aí um… um… como é mesmo o nome? ”
Muito bom
ResponderExcluirÓtimo
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